quarta-feira, 23 de março de 2016

UMA DEMOCRACIA HONESTA SOBREVIVE SEM JUSTA REFLEXÃO? - Por Dom Moacyr

Há um provérbio português interessante, cuja origem se perde nos tempos remotos da tradição lusa. Ele é capaz de retratar, com certa fidelidade, nosso conturbado momento presente: “Em tempo de guerra, mentira como terra”.

Ao não aceitar o resultado final do processo eleitoral do ano de 2014, grupos políticos distintos deixaram de exercer um papel extremamente útil à sociedade, qual seja, o de construir uma oposição política capaz de propor e de fiscalizar o governo eleito, para se entregar a um espírito pequeno e destruidor da saudável organização social de nossa tenra democracia ainda em construção.

Todos somos simples mortais, passíveis de erros, equívocos e de pecados, muitos deles impublicáveis. Isso vale para o campo pessoal, espiritual e social. No frigir dos acontecimentos, a mola propulsora de um maior ou menor avanço de uma nação se pauta na sua capacidade em fortalecer estruturas e marcos jurídicos (pactuados de forma cristã e nos espaços adequados), com vistas à defesa dos reais interesses da sociedade como um todo.

Tendo isso como uma das premissas básicas para tais reflexões, não deixa de ser preocupante a forma como tem ocorrido o processo de informação no país, produzida de modo parcial e centralizada, de classificação. Como ela (a informação) vem sendo utilizada com o objetivo de consolidar interesses políticos e econômicos de castas historicamente abastadas pela riqueza da nação ou a serviço dela. Em um país, de tamanho continental, nove famílias (Abravanel – SBT, Edir Macedo – Record, Cívita – Abril, Frias – Folha, Levy – Gazeta, Marinho – Globo, Mesquita – Estado de SP, Nascimento Brito – Jornal do Brasil, Saad – Band) dominam mais de 70% de todos os veículos de comunicação da sociedade brasileira. Esse é o melhor caminho para o fortalecimento da cidadania?

Os referidos dados corroboram, tristemente, algumas das conclusões do Fórum Mundial de Direitos Humanos, acontecido entre os dias 10 e 13 de dezembro de 2013, em Brasília. Naquela oportunidade, Frank La Rue, relator especial da ONU para a liberdade de expressão, destacou: “a concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos é um grave problema a ser enfrentado pelas sociedades modernas”. 

Assistimos hoje a um massacre dos grandes veículos de comunicação em prol da derrubada de um governo, com forte vínculo social, pelo fato de as forças conservadoras não aceitarem o distanciamento do poder imposto a eles pelo voto popular. Conforme atestam os juristas com reconhecida credibilidade, não existe fato jurídico capaz de condenar a presidenta eleita. O atual governo está eivado de erros a serem corrigidos (pecados impublicáveis). Não obstante, não é pela quebra da constitucionalidade que se constrói uma democracia mais forte. O nome disso é “golpe”.

Como é possível a sociedade aceitar que uma mulher eleita com 54,3 milhões de votos, sem qualquer denúncia formada, seja afastada do cargo sob o comando de um Presidente de Câmara de moralidade questionadíssima, mediante um colegiado de 130 membros, dos quais 34 respondem a ações criminais e administrativas de diferentes envergaduras no STF?

Os grandes veículos de comunicação não têm se pautado pela verdade e pela transparência. Trabalham em um conluio vergonhoso, com o propósito de alterar a vontade popular consagrada nas urnas em determinado momento. O que os move não é o interesse social, moral ou ético. Estão longe disso. O que os movimenta é justamente a perpetuação da recorrente omissão do Estado frente aos históricos e nefastos processos de corrupção.

As pessoas possuem o direito de serem informadas com isenção, tempestividade, responsabilidade ética e moral, mesmo que isso signifique ser politicamente contrário aos pensamentos do dono do veículo de comunicação. 

A reflexão honesta a ser feita de modo individual, objetivando escolhas a partir de seus valores pessoais deve e precisa estar pautada em informações dignas e as mais isentas possíveis. Sem isso, o processo de escolha do cidadão estará contaminado e a democracia ferida de morte.

Independentemente de quaisquer juízos de valores, nos dias de hoje, a qualidade tendenciosa das informações de nossos grandes veículos de comunicação não atende ao interesse do povo simples, honesto, trabalhador e carente de políticas públicas mais includentes. 

Dom Moacyr
Bispo Emérito de Porto Velho. Foi Bispo no Acre e Arcebispo em Porto Velho. Ex Presidente Nacional da CPT e militante dos Direitos Humanos.

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